Três cachorros morrem de calor após ficarem 1h30 dentro de carro de pet shop no interior de SP
18/09/2025
(Foto: Reprodução) Luna, Fofão e Cristal morreram sob cuidados de pet shop em Americana (SP)
Arquivo pessoal
Três cachorros morreram enquanto estavam sob cuidados de um pet shop, na última quinta-feira (11), em Americana (SP). Os animais pertenciam a uma família e teriam ficado uma hora e meia no carro de transporte. De acordo com o boletim de ocorrência, a causa provável da morte foi hipertermia (aumento excessivo da temperatura corporal).
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), a proprietária do estabelecimento alegou que precisou realizar outra entrega em endereço distante e, por esse motivo, deixou os animais no veículo. O caso foi registrado como ato de abuso a animais no 1º DP de Americana.
Cristal (8 anos) e Luna (10 anos) eram da raça shih tzu e Fofão (11 anos) era lhasa apso. Eles pertenciam a uma senhora de 71 anos, que mora com o filho e uma parente.
O g1 conversou com o advogado Rafael Possodon, que representa os tutores e afirmou que "a família está em choque". Ele ainda disse que os tutores foram informados da morte após pedirem informações pelo WhatsApp.
"Foi a morte de três animais da família que, inclusive, viviam com uma senhora de 71 anos de idade, que vivia em função desses animais. E agora ela está em choque, está completamente abalada e nós não sabemos ainda o que vai acontecer", conta o advogado.
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Nesta reportagem, você vai ver:
A ocorrência
O laudo
O que diz o advogado da família?
O que diz a defesa?
Hipertermia em cães: como evitar?
1. A ocorrência
Segundo documentos aos quais o g1 teve acesso, às 9h20 do dia 11 de setembro, a proprietária do pet shop pertencente à loja Agropet São Domingos, acompanhada de sua filha, buscou os três cães na casa da família. Eles passariam por banho e tosa e deveriam estar de volta às 12h.
Até as 16h20, os animais ainda não haviam retornado. O filho da tutora, então, questionou a dona do estabelecimento pelo WhatsApp, perguntando se havia acontecido alguma coisa e se estava tudo bem. A resposta foi:
"Não está tudo bem (...) Eu [tô em] estado de choque. Eles morreram. Não sei explicar o porquê", escreveu a proprietária.
Às 17h, a mulher levou o corpo dos animais até a casa dos tutores. O filho da tutora pediu que eles fossem encaminhados para a clínica Univet, de confiança da família.
O caso foi registrado como ato de praticar abuso a animais no 1º DP de Americana.
2. O laudo
A médica veterinária Patrícia Comelato recebeu os animais já em óbito em caixas de transporte e verificou que eles não tinham indício de maus tratos ou violência. A dona do banho e tosa teria mencionado a ela que chegou a deixar os animais por volta de 1h30 dentro do carro.
Patrícia, então, constatou que a provável causa da morte era hipertermia, descrito por ela como calor intenso. Ao g1, ela disse que acredita que a dona do pet shop não tinha conhecimento de como o calor poderia afetar os animais.
"Tenho certeza que a pessoa não teve a intenção e nem tinha a noção da gravidade do calor para animais de focinho curto nesse calor", contou a veterinária.
3. O que diz o advogado da família?
Rafael Possodon afirma que, do ponto de vista criminal, vai aguardar a investigação da polícia, que apura se houve abuso de animais. A pena para esse tipo de crime varia de 2 a 5 anos, com aplicação de multa e proibição de guarda de animais.
Segundo a lei que versa sobre os maus tratos animais (L 9.605/98), que foi atualizada em 2022, a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Possodon acrescentou que, do ponto de vista civil, a família irá pedir uma indenização pela má prestação de serviços. Com base em casos anteriores, o valor pode ir de 10 a 30 mil reais.
"O que nós queremos, agora, é uma indenização. É claro que não vai trazer esses animais de volta, mas é um alívio pra essa família, por todo esse sofrimento que eles têm passado, por ter perdido esses animais, essa aflição, né? E também tem um caráter educativo, para que eles jamais voltem a cometer uma ocorrência como essa" comenta o advogado.
O advogado foi recomendado à família por Roberta Dias, representante da entidade "Cadeia para Maus Tratos", que tem prestado apoio psicológico e assessoria jurídica para a família. Segundo ela, a indenização é uma forma de fazer justiça e de evitar que outros pet shops façam o mesmo.
"Mas a gente quer a justiça pra quê? Pra que outros pet shops, outras clínicas, outras pessoas que trabalham com animais, que criem essa responsabilidade de que é uma vida", comenta a ativista.
4. Versão contestada
O advogado, que é especialista em causas de maus tratos animais, contou ao g1 que a casa da família fica a três quarteirões do pet shop. Por conta disso, ele acredita que a versão narrada pela proprietária do estabelecimento pode não ser 100% verdadeira.
"Pela minha experiência, [acredito que] ela esqueceu que esses animais estavam no veículo, foi pra casa ou foi pra algum lugar, deixou esse veículo no sol e foi fazer o que tinha que fazer", comenta Possodon.
Sua versão é validada por Roberta.
"A gente que tá acostumado a andar com cachorro dentro do carro e tal, às vezes, quando tem um incômodo ali, o cachorro começa a chorar, começa a latir. Não tem como você ficar uma hora e meia dentro do carro ouvindo o cachorro latir e você simplesmente não fazer nada", comentou Roberta.
A ativista pela causa animal também acredita que a rota descrita pela proprietária do estabelecimento, nesse caso, também não faria sentido.
"Qual o sentido dela ir pra outro lado da cidade pra voltar com o cachorro e deixar ali do lado do pet? Não tem sentido. Provavelmente ela esqueceu no carro e foi fazer outra coisa", reafirmou a representante.
5. O que diz a defesa?
O banho e tosa está sendo representado pelo escritório Silva e Figueiredo. O g1 pediu um posicionamento para a defesa, contestando os fatos e opiniões apresentados acima, e não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Assim que houver manifestação da defesa, a reportagem será atualizada.
Hipertemia em cães: como evitar?
O g1 entrevistou a médica veterinária Sibila Weidman que explicou como a hipertermia (calor intenso) afeta essas raças e como evitá-la.
O que a hipertermia causa?
A hipertermia pode levar a uma cascata de fatores, tais como vasodilatação, desidratação, insuficiência renal, edema cerebral, convulsões, choque térmico e morte.
A idade interfere nos sintomas?
A idade, nesse caso, não é tão significativa. Se fosse um filhote, estaria com risco tanto quanto. Qualquer cão e gato está em risco de morrer por hipertermia. Mas com os braquicefálicos (cães de focinho curto), com certeza, esse risco é maior pela dificuldade respiratória.
Como saber se meu pet está com sintomas?
Se o animal chega em casa, fica amuado, vomita e tem diarreia, pode ser sinal de hipertermia.
É possível reverter o quadro?
Mesmo que esse animal seja socorrido, é muito difícil reverter esse quadro, principalmente quando acontece edema cerebral acontece.
Quais as situações mais comuns?
Infelizmente, a hipertermia acontece muito mais do que se é documentado. Acontece em secadores de banho e tosa; com cães deixados em sacada de apartamento uma tarde inteira no sol de 30ºC, sem acesso à sombra; com cães amarrados em quintal, sem acesso à sombra; com cães em transporte de trajetos longos submetidos a temperaturas quentes. Nessas condições, eles não conseguem fazer regulação térmica e acabam vindo a óbito.
Dicas para tutores
Acesso a sol e sombra: o animal precisa fazer a sua regulação térmica. Se tiver frio, vai ao sol; se tiver calor, vai para a sombra.
Conheça bem os pet shops: tenha o cuidado de conhecer o banho e tosa. Veja onde ele irá tomar banho, onde será secado, onde irá aguardar você chegar.
Verifique como é o transporte: em caso de transporte de animal pelo pet shop, procure conhecer onde ele vai ser transportado.
Dicas para estabelecimentos
Ventilador ou ar condicionado: especialmente em estabelecimentos de banho e tosa que possuem secadores, os espaços devem ser climatizados. Para isso, é necessário ter uma fonte de ajuda, como um ventilador ou ar condicionado.
Nunca deixar animal sozinho na máquina de secar: o pet deve estar sempre supervisionado por um responsável e, ao primeiro sinal de desconforto, providências devem ser tomadas.
O que fazer em casos de maus-tratos a animais?