Artista e analista que se conheceram durante recepção em república falam sobre rotina e desafios como casal transcentrado; entenda o termo
28/06/2025
(Foto: Reprodução) Travesti de Jundiaí (SP) ficou noiva de um homem trans que conheceu na capital paulista. Gabriela Saturno e Bernardo Galvão contam que celebram sua diversidade não apenas no mês do orgulho LGBTQIAPN+, mas sim todos os dias do ano. Gabriela Saturno, de Jundiaí, é uma travesti que está em um relacionamento transcentrado com Bernardo Galvão, um homem trans, de São Paulo
Gabriela Saturno/Arquivo pessoal
Para o casal Gabriela Saturno e Bernardo Galvão, todo dia é dia de celebrar o orgulho do amor, da história e de quem são como pessoas. O que para alguns é um termo ainda desconhecido, para eles é uma forma de se referir à relação amorosa que vivem como um casal transcentrado.
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A palavra "transcentrado" se refere à pessoas transexuais, isto é, pessoas que não se identificam com o gênero de nascimento.
Segundo Gabriela, um casal transcentrado existe quando duas pessoas trans se relacionam entre si. Neste Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado em 28 de junho, o g1 conversou com o casal, que contou como se conheceu e como ambos são felizes ao celebrar a diversidade.
Gabriela Saturno é uma travesti e artista visual de 28 anos. Ela nasceu e cresceu em Jundiaí, interior de São Paulo, e atualmente é diretora de cultura do Centro de Apoio e Inclusão Social para Travestis e Transexuais (Cais) Samy Fortes, que funciona na cidade desde 2018. Ela conheceu Bernardo Galvão, homem trans de 27 anos, em abril de 2019, quando se mudou para São Paulo buscando oportunidades de trabalho.
"Na época, eu estava saindo de uma situação de vulnerabilidade muito grande. Tinha acabado de sair da casa da minha mãe, estava desempregada. Inclusive, uma das motivações para eu sair de lá [Jundiaí] foi a questão da minha diversidade, o fato de que eu sou trans. Para minha família, foi um pouco difícil de assimilar quando eu comecei a transicionar", contou Gabriela.
Bernardo Galvão e Gabriela Saturno, de Jundiaí (SP), são um casal transcentrado e estão noivos
Gabriela Saturno/Arquivo pessoal
Ir para a maior metrópole da América Latina parecia ser a melhor opção para Gabriela, que acabou se mudando para uma república, lugar em que, segundo ela, conheceu o amor de sua vida. Logo quando chegou ao endereço, ela foi recepcionada por Bernardo, que a ajudou a guardar as malas e lhe deu um longo abraço.
"A gente se abraçou assim, no meio da sala e, foi meio estranho, porque a gente ficou um tempinho abraçados, sabe? E a gente nem tinha essa intimidade toda ainda. A gente ficou um tempinho assim e, ali, eu já vi que tinha uma coisa diferente, um sentimento diferente. A partir desse dia a gente foi se aproximando cada vez mais", lembrou Bernardo.
Gabriela Saturno, de Jundiaí, foi pedida em casamento por Bernardo Galvão em março de 2025
Gabriela Saturno/Arquivo pessoal
Depois deste encontro, uma oportunidade de trabalho específica para pessoas trans surgiu na empresa em que Bernardo trabalhava. Foi quando ele recomendou Gabriela para a vaga e os dois passaram de amigos, para também colegas de trabalho, o que evoluiu para um namoro meses depois.
"Era um tipo de relação que eu não só nunca tinha vivenciado, como também não estava acostumada. Porque sendo travesti, tinha colocado na minha cabeça que essa questão de amor romântico, de vivenciar coisas que a gente vê em filmes, por exemplo, era carta fora do baralho para mim. E foi através dele que eu comecei a perceber que era sim possível viver uma história de amor, ser amada, ser cuidada por alguém e que isso fosse recíproco", destacou Gabriela.
Os dois começaram namorar e deixaram a república para morarem juntos, porém, o relacionamento durou três anos, até que perceberam que deveriam se separar para encontrar a individualidade de cada um novamente. Neste período, apesar de separados, eles não perderam contato. Gabriela voltou para Jundiaí e Bernardo continuou na zona norte de São Paulo. O que eles não esperavam era que o destino iria uni-los mais uma vez.
💍 Pedido de casamento
Artista visual de Jundiaí é pedida em casamento em viagem romântica
Mesmo à distância, o amor um pelo outro não diminuiu. Em março de 2025, eles decidiram viajar juntos para a Praia de Camburí. Durante a viagem, Gabriela foi surpreendida com um pedido de casamento. Veja trechos da viagem mais abaixo.
"Eu levei ela [Gabriela] para uma viagem ali na praia, em Camburí, e aí eu já tinha tudo planejado na minha mente de como que ia ser. Estava bem nervoso para falar a real. E aí a gente estava numa das pedras lá, tava um dia bem bonito, com um solzão. Mais para o fim da tarde, num pôr do sol bem bonito, enquanto ela tirava foto, ela virou e eu estava ajoelhado com a aliança", lembrou Bernardo.
Depois de aceitar o pedido, Gabriela entendeu que não queria estar em outra relação afetiva a não ser com Bernardo. Segundo ela, hoje em dia ela pode dizer que "vive a relação dos seus sonhos". A artista destacou que um dos fatores para que eles funcionem tão bem como casal é o fato de terem compartilhado as mesmas experiências como pessoas trans, que precisam se descobrir, se adaptar e contar para o mundo quem realmente são.
Outro fator importante para o relacionamento dos dois é priorizar sempre serem muitos claros quanto aos seus desejos e planos.
"O fato de que nós dois somos pessoas trans, de que a gente vive um relacionamento trancentrado, com uma comunicação aberta, a gente tem liberdade para falar sobre qualquer coisa um com o outro, e a gente busca sempre esse lugar de compreensão. Não só de escuta, porque não adianta nada a gente escutar o que a outra pessoa fala, mas não compreender aquilo", disse.
Agora, mesmo morando longe, o casal planeja se estabilizar financeiramente para comprar uma casa e fazer a cerimônia do casamento. Gabriela segue atuando no Cais Samy Fortes e Bernardo trabalha como analista júnior em uma empresa.
"Eu costumo dizer que as situações da vida, quando a gente está para tomar uma decisão, se não for um 'sim' óbvio, é 'não'. E a minha relação com o Bernardo sempre foi um 'sim' óbvio", pontuou Gabriela.
Gabriela Saturno, de Jundiaí, foi pedida em casamento durante viagem para a Praia de Camburí
Gabriela Saturno/Arquivo pessoal
🏳️🌈 Cais Samy Fortes de Jundiaí
O Centro de Apoio e Inclusão Social para Travestis e Transexuais (Cais) Samy Fortes, de Jundiaí, também atende pessoas em vulnerabilidade social desde 2018, prestando suporte para o mercado de trabalho, educação e assistência social e jurídica.
O Cais foi criado por Samy Fortes, uma mulher trans, afro-indigena, ativista, artista plástica e defensora dos direitos humanos e da inclusão social na região. O movimento organiza ações de luta pelos direitos da população trans, travesti e LGBTQIAPN+ por meio de núcleos que oferecem serviços de apoio e acolhimento humanizado:
Empregabilidade: Ofertando orogramas de capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho, a fim de ajudar a comunidade trans a conquistar autonomia financeira e combater a exclusão no mundo corporativo;
Educação: O projeto Educatrans é um tipo de curso popular para pessoas trans que gostariam de concluir o ensino médio por meio da prova do teste ENCCEJA, prestar o Enem e outros vestibulares de universidades públicas, prestar concursos públicos, ou mesmo passar pelo processo de alfabetização antes de ir para as provas;
Psicologia: Apoio psicológico para lidar com questões emocionais, traumas e desafios específicos da comunidade, promovendo a saúde mental e bem-estar;
Assistência Social: Acompanhamento social e orientações para garantir os direitos da população em situação de vulnerabilidade e promover a inclusão social;
Apoio Jurídico: Consultoria e direcionamento jurídico para garantir direitos legais, combatendo a discriminação e garantindo o acesso à Justiça.
Além deste suporte, o Cais também realiza eventos como a Semana da Visibilidade Trans de Jundiaí, oficinas, rodas de conversa e marchas, a fim de proporcionar mais visibilidade para as questões que afetam a comunidade.
Com a ajuda de voluntários e a direção de oito pessoas, sendo Renato Nastaro o atual presidente da organização e Iara Marinho a vice-presidente, o Cais continua ampliando seu impacto social na região para garantir que mais pessoas possam ter acesso a serviços essenciais, em um espaço de luta, resistência e celebração das conquistas da comunidade trans e de todas as pessoas que buscam um lugar mais justo e igualitário na sociedade.
Voluntários e colaboradores do Cais Samy Fortes de Jundiaí (SP)
Cais Samy Fortes/Divulgação
Cais Samy Fortes de Jundiaí (SP) presta apoio a pessoas trans, travestis e em situação de vulnerabilidade social
Cais Samy Fortes/Divulgação
Gabriela Saturno, de Jundiaí, é diretora de cultura do Cais Samy Fortes, um centro de apoio social
Gabriela Saturno/Arquivo pessoal
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